Memorial remonta acidente que transformou o jovem escoteiro em héroi
O dia era 18 de dezembro de 1938. Na estação ferroviária da capital mineira uma cena atípica chamava a atenção dos moradores. Um grupo de escoteiros, acompanhados por seus amigos e familiares, se preparava para embarcar no trem noturno da Central do Brasil, que seguiria para São Paulo via Rio de Janeiro. Em meio aos escoteiros estava Caio Vianna Martins, jovem de Matozinhos, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte que se destacava por seu altruísmo e espírito de liderança.
O grupo, composto por 24 integrantes, seguia para a capital paulista a convite do governador Adhemar Pereira Barros. Lá, participariam de um acampamento junto a outros escoteiros. Naquela noite, a história de Caio e de todos que viajam naquele trem mudaria completamente.
Caio Vianna Martins nasceu em Matozinhos em 13 de julho de 1923, filho de Raymundo da Silva Martins e Branca Vianna Martins. Desde cedo, sua vocação para cuidar das pessoas e se doar por causas humanitárias chamaram atenção de seus pais. Com a mudança da família para Belo Horizonte, Caio passou a integrar a Associação Escoteira Afonso Arinos, em 1937. Seu desempenho foi tão notável que, em agosto de 1938, se tornou Monitor da Patrulha Lobo, aos 14 anos.
Seu ingresso no grupo de escoteiros ressaltou suas melhores qualidades. Amor e solidariedade aliadas aos princípios do escotismo o tornaram um notável herói. Guiado pela lei “o escoteiro está sempre alerta para ajudar o próximo e pratica diariamente uma boa ação”, Caio Martins não abandonava seus ideais mesmo diante de dificuldades.
O trem partiu da Estação Central de Belo Horizonte às 18h. Ao som do apito da locomotiva a vapor, a composição deixou a capital com muita festa e alegria. Com o passar do tempo e embalados pelo balanço, os passageiros adormeceram e adentraram a Serra da Mantiqueira, região montanhosa e fria serpenteada pelos trilhos.
Já passava de 1h da manhã do dia 19 de dezembro quando a composição alcançou a estação de Sítio, hoje Antônio Carlos. Entre o embarque e o desembarque de passageiros, o maquinista recebeu permissão para prosseguir viagem até a estação de João Ayres, localizada poucos quilômetros à frente. Ao seu lado, um trem cargueiro cruzou em alta velocidade, indicando que a via estaria livre para sua circulação. Poucos minutos depois da partida, o maquinista avista um farol e soa o apito do trem. Ao perceber que se tratava de outra composição correndo em sentido contrário, aciona os freios, porém, com a curta distância o desfecho foi inevitável: o encontro do noturno de passageiros com um cargueiro em sentido contrário resultou em um dos maiores acidentes ferroviários da história do Brasil.
Uma movimentação intensa tomou conta do local. No frio e no escuro, os escoteiros que conseguiam se organizaram para ajudar no resgate dos sobreviventes, dentre eles, Caio Martins, que mesmo ferido trabalhou para salvar o maior número possível de vidas.
Após muitas horas de trabalho, um enfermeiro que ajudava no resgate percebeu o cansaço e a exaustão de Caio, oferecendo-lhe ajuda. Porém o jovem negou auxílio pois ainda haviam muitas pessoas para socorrer. Mesmo exausto, ele caminhou pelos trilhos até Barbacena. “O escoteiro caminha com as próprias pernas”, alegou.
Ao chegar na cidade e com seu quadro agravado, o jovem escoteiro foi levado ao hospital. Seus pais vieram para acompanhar seu tratamento, porém, em virtude de hemorragia interna prolongada, Caio Martins, de apenas 15 anos, faleceu em 20 de dezembro de 1938, cerca de 24 horas após o acidente.
Seus feitos heróicos e os relatos dos amigos e das pessoas que ajudou a salvar o fizeram entrar para a história como um herói nacional. Vários monumentos foram erguidos e inúmeras homenagens foram prestadas. Hoje, o local do acidente abriga um memorial construído pela Estrada de Ferro Central do Brasil em 1959. No local, as marcas do amor e da solidariedade se misturam à tristeza e à dor da tragédia.
Memorial
O Memorial Caio Vianna Martins está instalado no exato local do encontro dos trens no quilômetro 354 da Estrada de Ferro Central do Brasil, ferrovia que fazia a ligação entre as capitais de Minas, Rio e São Paulo. A localidade é conhecida como parada Araújo e pertence ao município de Antônio Carlos.
Paulo Roberto Cerezzo, ex-ferroviário e historiador, visitou o memorial e contou que o monumento ficou muito tempo esquecido. “Recentemente um grupo de escoteiros esteve aqui, limpou o local e o revitalizou. Mantê-lo assim é de extrema importância para que cada vez mais pessoas conheçam a história desse jovem notável que foi Caio Martins”, relatou.
As decisões tomadas por Caio no momento do acidente contrariam o instinto de sobrevivência, inato aos seres humanos. Para Sthéfane Freitas, psicóloga e psicanalista, o jovem foi tomado por um profundo sentimento de compaixão. “A atitude de Caio exemplifica muito o construto altruísmo proposto por Augusto Comte, que é a ideia de ajudar ao próximo, sem esperar nada em troca. Se colocar no lugar do outro, deixando-o acima de seus interesses pessoais”, explicou.
Caio Martins e a Fucam
A história da Fundação Educacional Caio Martins começa 10 anos após o acidente ferroviário, quando o visionário Coronel Almeida, homem apaixonado pela educação, e sua esposa, Márcia de Souza abrem na fazenda Santa Tereza, no município de Esmeraldas, a Granja-escola Caio Martins. A inspiração para o nome é uma homenagem ao jovem que doou a vida para salvar pessoas. As Escolas Caio Martins, como ficaram conhecidas, tinham, como propósito, ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade. Sua expansão foi rápida e o trabalho da instituição foi muito valorizado em suas regiões de atuação, até que em 1974, por meio da Lei nº 6514, as escolas passaram a constituir uma Fundação Educacional pública do Estado de Minas Gerais.
Hoje, a Fucam possui Centros Educacionais e escolas em Esmeraldas, Buritizeiro, Diamantina, Juvenília, Januária, Riachinho e São Francisco. Além da educação regular, a Fundação oferece formação continuada para os alunos, oficinas, cursos e programas que envolvem a comunidade contribuindo para perpetuar seu propósito de sempre ajudar a quem precisa.